Semanas atrás a internet se surpreendeu com uma reportagem que trazia o caso de uma mulher chinesa que havia encontrado em seu banheiro uma cobra um tanto quanto diferente, pois esta ao contrário do “normal” possuía uma perna!
Se você não viu a matéria clique aqui.
A noticia para variar tomou conta da internet e foi parar em várias comunidades do Orkut e outros fóruns. E foi em uma dessas comunidades que veio a idéia de escrever este artigo.
Em meio as diversas explicações que surgiram para o tal animal apresentar aquela perna uma delas se destacou por mim, a de que a serpente era um aviso sobrenatural sobre a maldição que a divindade cristã havia jogado nas cobras quando esta foi utilizada por Lúcifer para seduzir os dois primeiros humanos.
Então o Senhor Deus disse à serpente: “Porque fizeste isso, serás maldita entre todos os animais e feras dos campos; andarás de rastos sobre o teu ventre e comerás o pó todos os dias de tua vida.(Gênesis 3,14)
E acreditem se quiser mas essa idéia se espalhou não só pelo Orkut mas até mesmo em alguns blogs e outros sites fundamentalistas.
No momento não vem ao caso que tudo indica que a serpente da foto esta com algum lagarto em seus estomago e este perfurou seu tórax expondo um de seus membros. Mas sim a fata de conhecimento ( e em algumas vezes desonestidade) de pessoas que vêem milagres em qualquer coisa.
Biologia de verdade e a origem das serpentes
Sim, as serpentes um dia já tiveram patas em seu passado evolutivo e algumas na realidade ainda as possuem vestigialmente.
Os membros mais “primitivos” do grupo de répteis pelo qual chamamos de serpentes ainda ostentam em seu corpo sinais de sua origem como lagartos de hábitos fossoriais. Entre os animais atuais com essa característica temos a família boidae da qual fazem parte tanto nossas Jibóias como as Sucuris e Pythons.
Esses animais ainda guardam ossos como a pélvis e até mesmo o fêmur com uma pequena garra (fig.1) na ponta sendo esta visível a olho nú e hoje utilizada por essas serpentes em seus rituais de acasalamento.
Fig.1: Garras também conhecidos como esporões em uma Python molurus de cativeiro.
Isso quer dizer então que os fundamentalistas estão certos?
Não mesmo, a perda de membros na família das serpentes aconteceu não uma mas duas vezes!
Serpentes perderam primeiro seus membros dianteiros o que esta ligado a um gene hox (responsável pelo desenvolvimento de membros ou morfogênese) e permaneceram por alguns bons milhões de anos apenas com suas pernas traseiras. Isso é muito bem verificável em alguns espécimes extintos (fig.2) como a Archaeophis proavus, Haasiophis terrasanctus, Najash rionegrensis e algumas outras.
Fig.2: Acima o fóssil de Haasiophis terrasanctus e abaixo um close de sua cintura pélvica contendo ossos como fêmur, tíbia, fíbula e até mesmo alguns metatatarsais.
Somente depois de muito tempo é que a maioria dos grupos modernos de serpentes perderam totalmente seus membros.
A perda de membros em outros répteis
Outros répteis também apresentam a perda de seus membros locomotores de forma quase ou tão espantosa quanto o processo pelo qual as serpentes passaram.
Um bom exemplo são as Amphisbaenas (fig.3) que não são serpentes e nem mesmo lagartos mas sim fazem parte de uma família a parte chamada Amphisbaenidae. Família esta que contém 16 gêneros de répteis fossoriais e são normalmente chamados erroneamente de Cobras-Cegas pela população.
Fig.3: Acima Amphisbaena alba com seu corpo serpentiforme sem patas e abaixo um close em sua cabeça, detalhe para os olhos diminutos adaptados para a vida debaixo da terra.
Outros répteis que acompanham a convergência evolutiva das serpentes são os lagartos da família Anguidae que possuem características que vão desde o alongamento torácico até a diminuição ou mesmo perda total de membros.
No Brasil esses animais são chamados de Cobras-de-Vidro (fig. 4) e são tão parecidos com serpentes que só mesmo olhando bem de perto para perceber que eles são lagartos ápodos (sem pernas) parentes próximos do venenoso Monstro –de- Gila. Pode se diferenciar Cobras-de-Vidro de serpentes por características como a presença de pálpebras (eles piscam) e o ouvido externo, ambas inexistentes em serpentes verdadeiras.
Fig.4: Acima lagarto do gênero Diploglossus com alongamento torácico e redução no tamanho dos membros. Abaixo Anguis fragilis com perda total dos membros.
A Perda de membros em Anfíbios
Nem só repteis vivem sem braços e pernas, os anfíbios também se adaptaram para a vida em ambiente fossorial e estes membros da ordem Gymnophiona são conhecidos como Cecílias (fig.5).
As cecílias assim como as serpentes e os lagartos ápodos também possuíam um ancestral com pernas chamado Eocecilia que viveu no período Jurássico, mas hoje todas as espécies encontradas de Cecílias são desprovidas de membros.
Fig.5: Uma das diversas espécies de Cecilias demonstrando a redução dos olhos e a perda total dos membros.
Cecílias possuem algumas peculiaridades bem interessantes sem ser a sua falta de membros. Algumas espécies são capazes tanto de botar ovos (ovíparas) como de dar a luz filhotes completamente formados (vivíparas), além de possuírem cuidado parental com suas crias a ponto de alimenta-las com sua própria pele como você pode ver neste vídeo clicando aqui.
Problemas no paraíso
Depois deste pequeno compilado de animais sem membros (desculpe-me os que tem fobia a cobras e que morreram de aflição com a ultima foto) fica óbvio que não existe nenhuma maldição divina contra os pobres ofídios.
A perda de membros se mostra até comum como convergência evolutiva entre vertebrados terrestres e um ótimo meio adaptativo a vida em alguns ambientes de nosso planeta.
Fora o fato de o Criador ao amaldiçoar as serpentes as transformou em um dos mais bem sucedidos predadores do mundo ficamos querendo entender quais foram os pecados cometidos pelas Amphisbaenas, Anguideos e Cecílias para terem o mesmo destino do mais astuto dos animais do Éden.
2 comentários:
A evolução das cobras é muito interessante. Encontrar um fóssil de ofídeo com patas, pode fazer algum criacionista achar que era uma cobra que existiu antes de Adão e Eva morderem a maça. Mas uma ánalise de diferentes grupos animais, mostra que a perda de membros não é incomum durante a evolução.
As fotos estão ótimas
Abraço
muito legal bom pra mim q estou fazendo trabalho muito bom
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