Evolução ontem, hoje e sempre


Seria estranho começar um blog no qual o tema principal é história natural sem falar sobre evolução das espécies.

É interessante observar que mesmo depois de 150 anos que a ciência adotou a teoria por seleção natural como explicação para a diversidade de espécies atuais no planeta muitos ainda em pleno século XXI não fazem a menor idéia de como esta vem a funcionar.
Isto normalmente tem dois motivos, o habitual desinteresse dos brasileiros por ciência (e leitura em geral) e a idéia com fundo religioso provinda da idade do bronze de que todos os organismos no planeta são imutáveis.

Os X-men da natureza

A idéia sempre foi bastante simples, populações de seres vivos sofrendo mutações e conseqüentemente gerando algum tipo de característica vantajosa acabam por se enquadrar no ambiente em que vivem possuindo assim, mais chances de se reproduzir do que os demais.

Para tudo!
Mutações gerando características vantajosas?
Mas mutações não são aqueles defeitos genéticos que geram doenças, tumores ou qualquer outro tipo de aberração na natureza?

A resposta é sim e não, as mutações podem gerar características extremamente vantajosas para os organismos e não apenas aquelas aberrações que aparecem em vários sites sobre bizarrices, um exemplo muito interessante é a mutação no nosso DNA responsável por produzir uma enzima chamada lactase que faz com que possamos digerir o açúcar do leite (lactose) em nossos intestinos mesmo depois de adultos.
Esta mutação começou a aparecer em nossa espécie apenas 9.000 anos atrás, isso nos trouxe muita vantagem, tente pensar na quantidade de alimentos a base de leite (ou que o contenha) ingeridos diariamente por você.
Outro exemplo que parece ficção científica é o caso de uma população da bactéria Pseudomonas aeruginosa que esta “comendo”, pasmem, nylon!
Isso acontece graças a uma mutação de inserção de apenas um nucleotídeo no DNA deste microorganismo.
Poderia ainda citar mais uma lista de exemplos de mutações no código genético dos seres vivos que os tornam vantajosos, mas creio que pegaram o ponto.

A Picanha de ontem

Para demonstrar como isso realmente acontece e como é fácil selecionar características vantajosas precisamos citar a seleção artificial.
A seleção artificial tomou grande parte dos estudos de Charles Darwin e se vocês ainda não sacaram o motivo depois vão entender, esse tipo de seleção acontece quando nós humanos achamos que algum animal ou planta possui alguma característica que possa ser vantajosa para nós, lógico.
Essa seleção é feita isolando tais organismos a fim de criar populações distintas das originais, o exemplo mais clássico é nosso gado bovino.
A domesticação do gado bovino começou a cerca de 8.000 a 9.000 anos, sendo que o animal original que deu inicio a nossa paixão por picanha chamava-se Auroch cujo nome científico é Bos primigenus natural da Europa e do norte da África e assim a partir desse ancestral formou-se as subespécies Bos tauros e Bos tauros indicus gerando uma grande diversidade de raças que apenas lembram vagamente o seu ancestral.
O ultimo Auroch morreu em 1627 na Polônia, mas eles não são os unicos exemplos de animais artificialmente selecionados, dentro desta categoria entram todos os animais domésticos que conhecemos.

De castigo em uma ilha

Tendo entendido as mutações e a seleção natural fica fácil entender a maneira como o meio ambiente seleciona essas características vantajosas.
E não, eu não irei usar como exemplo as Ilhas Galápagos, vamos viajar para bem mais perto, aqui mesmo no Brasil.
Mais precisamente vamos usar como exemplo a Ilha da Queimada Grande localizada a 35km de Itanhaem no litoral de São Paulo.
Esta ilha sem praias e de difícil acesso demonstra pra nós uma das premissas básicas da seleção natural, o isolamento geográfico.

A Ilha da Queimada Grande é o lar de uma serpente singular e endêmica, conhecida como Jararaca Ilhoa (ou Bothrops insularis para os íntimos), ela compartilha um ancestral bem próximo da Jararaca Comum (Bothrops jararaca).
O ambiente em que a Jararaca Ilhoa vive já foi um morro continental, porém com o final da era do gelo (11.000 anos atrás) os níveis do mar voltaram a aumentar e o que era antes apenas um morro se transformou em uma pequena ilha. Azar para as Jararacas que residiam nesse local já que junto delas nenhum mamífero terrestre acabou de castigo ali também, ou os que foram acabaram sendo predados até a extinção por essas serpentes.
O resultado foi uma rica fauna de aves marinhas, o que junto com o isolamento genético das populações continentais (impossibilitando uma grande “diluição” de material genético) selecionou as mutações desses ancestrais que possuíam a habilidade para subir em arvores (para alcançar ninhos e aves distraídas), a produção de veneno de ação mais rápida do que as demais Jararacas (para seu alimento não sair voando e morrer a centenas de metros de você) entre outras características que podem servir para conseguir comida de maneira mais eficiente nesse ambiente pobre em recursos.

Tudo isso parecem coisas que aconteceram á milênios atrás e que pesquisadores ficam conjecturando dentro de seus laboratórios, mas dentro deste contexto de isolamento de populações por barreiras, que na biologia chama-se especiação parapátrica ainda existem exemplos mais recentes como ratos se modificando depois de serem levados para ilhas por marinheiros, moscas que se isolaram dentro de esgotos e coelhos europeus soltos na Austrália.

Obviamente que muitos outros agentes selecionadores na natureza estão envolvidos com a evolução das espécies além do isolamento geográfico, coisas como ação de predadores, migrações, parasitas e obviamente o sexo.

O que devemos entender com essa minha tentativa de elucidação é que o processo evolutivo ao contrário do que muitos pensam não é algo baseado apenas no ato de medir e comparar o tamanho de fosseis, ela é testável, observável e até mesmo reproduzível.

O processo evolutivo vai continuar hoje e sempre.

4 comentários:

adriano 2 de junho de 2009 às 13:16  

mutação tb tem que levar em conta questões culturais né?

tipo se todo mundo deixar de comer carne porque é proibido... acabaocorrendo uma mutação né?

ou não?

Pablo Lopes Moreno 2 de junho de 2009 às 19:12  

Primeiro obrigado pela visita Adriano!

Digamos que são hábitos culturais, o caso da mutação que produz a lactase do texto exemplifica bem isso.
Os paises que mais ingerem leite possuem mais pessoas com essa mutação, em alguns lugares do mundo que não possuem o hábito da pecuaria leiteira são poucas pessoas a terem tal enzima.

Então sim, questões culturais podem ser um meio de seleção.

Ravick 4 de julho de 2009 às 15:42  

"moscas que se isolaram dentro de esgotos"

Essa eu não conheço :O

Pablo Lopes Moreno 5 de julho de 2009 às 07:53  

Doideira não é?
Vou achar a ref aqui e mando para você Ravick!

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O Down House tem como objetivo elucidar temas sobre História Natural, de maneira que mesmo alguém que nunca teve contato profundo com a área possa apreciar e entender melhor o mundo natural do qual todos nós fazemos parte.